Texto Curatorial por Alice Granada, Ana Carla Soler e Lucas Dilacerda
A diferença é o motor do deslocamento
Diante do mundo de diferenças, não se trata de aproximá-las em torno das semelhanças, mas de construir zonas de contato que sustentem uma instabilidade fundamental. Relacionar-se pela assimetria constituinte é uma maneira de encarar o outro na sua opacidade plena. Por isso, esta exposição é também um tratado político de convivência que, apesar das oscilações que garantem a multiplicidade, ensaia formas de vida coletiva em seu desequilíbrio necessário, que aqui nomeamos de “instabilidade fundamental”.
A exposição é o resultado da 8ª edição do Laboratório OMA de Artes Visuais, um processo de deslocamento que aqui se apresenta em múltiplas linguagens, técnicas, poéticas, repertórios e materialidades que eclodem da convivência de diversos artistas de territórios e trajetórias variadas. Estar em coletivo é o que permite transformar pesquisas e expandir investigações artísticas. A diferença é o motor do deslocamento, pois é no contato com aquilo que desconhecemos que podemos criar algo de novo, aquilo que só é possível nascer entre fricções e inconstâncias.
Na primeira sala, o núcleo “Arquiteturas intensivas” discute a conflituosa e indissolúvel relação entre as construções da humanidade e a natureza imanente, com trabalhos que tensionam os projetos de desenvolvimento de futuro em contraste com um presente em ruínas. Ou seria o oposto? Um desenvolvimento do presente e um futuro em ruínas? As obras nos mostram que a matéria – viva como nós – possui desejo próprio, construindo-se ao mesmo tempo que se desmorona, fabricando arquiteturas de um mundo fadado a ser um eterno desconhecido.
Em seguida, o núcleo “Corporeidades afetivas” lança um olhar para o corpo em sua intimidade e solidão povoada. Quantos corpos habitam um corpo? As obras nos revelam que um corpo é feito de muitas linhas, de forças e de entrelaçamentos, que se fundem com o próprio mundo, borrando as fronteiras entre realidade e ficção, compartilhando os delírios de nós mesmos. Os trabalhos neste núcleo partem de compreensões de mundos individuais, mas ainda assim tangíveis e comuns. Olham para si como a fita de Möbius, onde o dentro é fora e o fora é dentro. Na construção do eu, as subjetividades individuais se revelam genealogias, unindo ancestralidade e descendência. No tempo espiralar, a instabilidade entre presente, passado e futuro se conjuga no corpo.
Ao subir as escadas da OMA Galeria, o núcleo “Paisagens sociais” aborda uma política transversal que, em um só tempo, atravessa como uma flecha a subjetividade, o ambiente e a sociedade. Se sofremos de uma miopia e falta de foco de perspectivas e narrativas que nos mostrem saídas de crises, as obras deste núcleo promovem um abalo na nossa percepção, deslocando-a do seu funcionamento habitual e nos ensinando que a percepção é também uma questão política. O cotidiano repetitivo e banal; o tempo dilatado de uma cena, que parece se mover sem sair do lugar; uma observação atenta ao gesto mínimo que resplandece na rotina; conflitos sociais conectados em cenas que se correlacionam em uma sobreposição de tempos. Talvez, as soluções para os problemas do presente estejam soterradas no passado, em tecnologias que sussurram em uma linguagem abstrata que o futuro é ancestral.
Instabilidade fundamental é um convite a habitar espaços em desequilíbrio, nas estruturas frágeis que não nos permitem saber se estão se erguendo ou caindo, pois ainda são corpos cambiantes em estado de experimentação das forças que possibilitam o caminhar ser um deslocamento de si e do mundo.
Alice Granada
Ana Carla Soler
Lucas Dilacerda
- Curadoria