Texto Curatorial "Ser é estar" por Rita de Cássia de Monte Lima
Fragmentos de identidade e narrativas costuradas
Durante a pandemia, Fernanda Corsini, artista que vive e trabalha em São Paulo, descobriu o cerne de sua expressão artística ao se fotografar na intimidade de sua casa. Esses autorretratos se tornaram a base da sua poética, alimentando a criação de colagens em papel com uma estética dadaísta. Os trabalhos, originados de autorretratos desmembrados em preto e branco, são costurados um a um, evocando a representação de um eu fragmentado.
A partir dessa abordagem autobiográfica, em que o próprio corpo da artista serve de base para suas fotografias, a obra de Fernanda Corsini ultrapassa narrativas individuais para explorar temas de interesse coletivo como sexualidade, identidade e infância.
As colagens e instalações presentes em "Ser é estar" navegam entre o ego e o alter ego. Fernanda Corsini disseca seus próprios autorretratos, recortando-os e costurando-os como um Frankenstein moderno. Curiosamente, as colagens resultantes já não guardam nenhuma semelhança com a imagem da artista, aquelas tendo passado por inúmeras cirurgias e suturas. Cada colagem costurada assume um alter ego distinto, representando uma gama de indivíduos e personalidades. No entanto, esses alter egos permanecem profundamente enraizados nos autorretratos originais de Fernanda, revelando a intrincada teia de identidades que coexistem em sua psique. Desse modo, a artista investiga as complexidades do ego, explorando sua fragmentação e a contínua transformação do eu.
Além da jornada pessoal da artista, a exposição traz referências da história da arte, encontradas em obras como “Mulher no espelho” (2021) que ecoa a obra homônima de Pablo Picasso de 1932 e "Paraíso Invertido" (2023) que se inspira na obra-prima de Hieronymus Bosch, "O jardim das delícias terrenas" (c. 1490 - 1500).
Complementando as colagens, a exposição também inclui uma série de pinturas que evocam uma sensação surrealista, lembrando simultaneamente uma estrutura arquitetônica e pele humana. Essas pinturas ressoam com outras colagens presentes na exposição, como é o caso de “Colheita” (2023).
"Ser é estar" examina a natureza transitória do ser, enfatizando a transformação perpétua de ‘eus’ esculpidos e remodelados ao longo do tempo.
- Rita de Cássia do Monte Lima, 2023.